terça-feira, 19 de maio de 2009

Palmas de Seda Branca

Conheci
as palmas das tuas mãos. São de seda,
mesmo que agora te pareçam ásperas.
Seda branca, é o que são,
mesmo que te pareçam rubras agora.

Dizes-me
'perdi-me, perdi a paz
que me ditava os passos'.

E eu penso se talvez
te beijasse os olhos
despertasses.
Mas a noite é tua
e seguro em palmas de seda branca
na espera do raiar do sol.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Mausoléu

nossos pais deixaram-nos
o túmulo,
a sombra do mausoléu que cobre
estas casas em que vivemos,
estas casas sem varanda,
de janelas entaipadas.
queríamos saber a cor
e a forma
do mausoléu de nossos pais
mas conhecemos apenas o frio
que nos lança a sua sombra.
e os fantasmas que aqui moram
apenas encolhem os ombros
a cada pergunta.
e há quem julgue ver o sol
na dança dos fogos-fátuos.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Esfera

tudo igual
deste lado do espelho,
nesta metade da laranja,
nesta parte da maçã.
a que árvore subimos?
de que árvore descemos?
qual o nome
desses ramos
onde saltamos com os pulmões
repletos da palavra
liberdade?
a bizarra simetria destes ramos
recorda-nos o impossível.
não dormiremos mais.
impede-nos o espelho,
evitam-no os ramos,
exige-o a maçã
perfeitamente unida:
uma só esfera.
tudo igual
deste lado do espelho.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Encontro

entre destino e feromonas
os olhos procuram os olhos
inquirindo identidades
e trocam verdades
"eu sou tão morto"
"quero renascer como tu".
contam as horas
que dançam para a despedida
e hesitam para regressar.

queriam saber
"em que traço vieste
sibilante
na minha noite sem rumo?"
algures os dois perdidos
entre destino e feromonas
inquirindo quantas horas
faltam para amanhã.

"traiu-nos o destino
prometido nos livros e
vendido na tv
e desvaneceram as feromonas
tombadas por terra
por milagre da física."
e ficam as horas que contam
fugazes cada abraço
e espreguiçam na distância.

entre a natureza e o acaso,
cresceu nova árvore no jardim.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Pouca Terra

estamos presos no tempo e espaço
deste comboio de lata
que anda em círculos lamentando
pouca-terra pouca-terra.
eu queria saber-te o nome e tu
conhecer-me o sonho.
não te olho
não me olhas
é um pacto firmado
em gestos não feitos.
penso na lata que nos prende
e tu no raio do círculo
que geme e se lamenta
pouca-terra pouca-terra.
um pouco mais de tempo
um pouco mais de espaço
e sabia-te o nome
e tragavas-me o sonho.
estamos presos e não te olho.
não me olhas.

Indisposto

é quando o perfume se entranha
se entrega
na carne rasgada
que as vísceras rodopiam
sibilando um prenúncio de morte
tão terrível
como o coração
que não recorda
o batimento.
é quando o perfume se despega
se desprega
das peles
e já todos os órgãos
do teu corpo
o reclamam
que entendes o revolver
do estômago tão sensível
e o desgosto gástrico.
é quando o perfume se esbate
te bate
na memória
que o orgânico
se contorce
com os tendões
rangendo nos ossos
e o intestino
se confunde com
o esófago.
os teus olhos estão secos.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

O Terreno Vazio

a minha casa partiu. porque às vezes
as casas fazem isso
ganham pernas e andam
metem-se ao caminho sem
aviso de qualquer espécie e quando
chegamos à noite
cansados
damos com o terreno vazio e nem
um bilhete de despedida.
claro, podemos pensar
que alguém nos roubou a casa
por inveja ou
até pobreza que é
uma forma mais triste
da própria inveja
mas a verdade é que sabemos
que as casas só partem porque querem.
e a minha casa partiu e eu
hoje durmo na rua
a apanhar frio e uma doença
talvez pneumonia
não sei se ligeira.
digo hoje durmo na rua
mas não durmo na verdade por faltar
o conforto da minha casa
e fico a pensar
onde estará e se virá
amanhã em silêncio
e eu não diria nada
fingiria estar a chegar cansado
e abriria a porta para entrar.
a minha casa partiu. e eu não tenho lugar.