quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Sexo, Morte e A Origem do Universo

sinto agora o atingir-me do ontem: explosão
de átomos e fere-me a luz: de saber
que o dia em que nasci é: tão real
como este instante que me aproxima do túmulo.
estou agora na tua cama e no útero
de minha mãe e
na cova que me abraça e me diz o amor,
que bom que foi ter-me dentro de si.
sinto agora o meu dedo na minha boca
como mamilos erectos ou vermes
devorando-me a língua porque
tudo é matéria e talvez sonho-prisão
neste instante em que percebo a explosão
que me aperta e condiciona à estranha palavra
“agora”.

sinto agora o amanhã como passo já dado
e o teu corpo é o berço descoberto em que dormi e
o rubro veludo do meu caixão se afinal
me esmagam, me apertam, me atiram
para a estranha palavra “presente”.

domingo, 20 de janeiro de 2008

O Encerrar das Ruas

vi as ruas fecharem-se esta noite: como
homens cobrindo o corpo após pecar.
o som dos meus passos naquela calçada
está mudo: enclausurado.

estamos presos no exterior das ruas e
cada gesto nosso: confinado
à prisão: dessas ruas. cada beijo, cada
saltar cruel do peito e contorcer do cérebro
já sucedido ou por suceder:
encerrados nessa calçada húmida da chuva
que já nela não chove mas:
ainda choveu.

vi as ruas fecharem-se esta noite
e permanecerem tão abertas
como todos os livros. e o homem
permanece nu, sob as vestes.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Inverno

soprou na vela e: ele: tombou já frio
mas: o silêncio do seu corpo
não se fez ouvir e ela: tomou a vela no seu
colo: que se roçou ofegante na cera fálica:
já fria. e ele quis gritar e:
fazer-se ouvir: maior que o fogo apagado:
e ela de vela apagada: sorrindo: surda
ao silêncio do homem tombado: já frio

(quando se erguer e tropeçar no corpo: dele:
já nenhuma chama: e a cera: cansada:
impossível.) faz frio

domingo, 13 de janeiro de 2008

Lapis Philosophorum

dizes: olha vês? e uma chama
chicoteia para fora dos teus lábios.
e queimam-se as vestes e
os corpos de cinza enredam-se
em vulcânicas convulsões.

(porque te ardo? em que tardo?)

dizes: o fogo que somos é agora
combustão e: dá-me água: que esta sede
cresce neste leito em que: os corpos
ainda ígneos se fundem e gemem
em estranhas formas e padrões.

(porque tardo? como te ardo?)

digo: tenho em mim: no que é teu:
toda a água e: toda a chama: bizarra
estrela: nos teus lençóis: os nossos
corpos: em seis gritos comungados:
em carnal etérea harmónica perfeição.

domingo, 6 de janeiro de 2008

O Soldado Ébrio

não sei por que mais arame rastejar:
se estas farpas: deste arame: têm
este sabor tão antigo: uma memória
talvez. com que me rasgas o corpo:
gato de nove caudas: estalando uma
e outra vez.

não sei que mais álcool beber: se
este copo: tão cheio: sem fundo: me
embriagou até: não conhecer: o nome:
de quem sou: ou o que é. é um sabor
tão antigo: como o nosso amanhecer
de tempestade.

não sei por que rua seguir: se esta
rua: onde os candeeiros se dobram:
fugindo: de mim: é a mesma por onde
fui: ontem: e outro dia: mas não
daquela vez. talvez chegando a casa:
talvez.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Esquissos

traçados na margem esquecida
da folha suja
espreguiçámos demónios e
tingimo-nos de rascunhos que sonhámos
(nós ou ele? que sonho é sonho de quem?)

e as letras em fila formando
palavras de mil faz-de-conta
troçaram de nós,
rabiscos na margem esquecida
da folha perfeita
do conto em que éramos
aparte.

e tu riste.
e eu contigo.

dançámos por entre as letras,
quebrámos palavras e
sua sintática perfeição
porque na margem esquecida
da folha banal
em que nos esboçaram
nasceu todo um livro.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Génesis

sim, temos as faces lívidas. perguntam "é então a morte?"
e nós rimos. "estranha forma de morrer", beijas-me nua
e eu sei que vi os teus dedos [a sua pureza rasgou-me o olhar].
- o branco do teu rosto é a cor da minha cegueira -
e nenhum homem [desses que vêm e perguntam e
te abraçam e te pedem a tua pele nos seus lábios]
nenhum deles saberia descrever a cor das nossas faces.
limitam-se a olhar, tremendo a cabeça "é então a morte?"
e sorrimos. "é uma forma de ver", devoro-te nua
e quebra-se a cúpula e Ele chega e entrega-nos
a chave deste Jardim.

Equilibrium

quase se quebrou
o homem de cristal onde escolheste
dormir. esse homem que
não tem rosto e grita em silêncio.
quase se quebrou.
quase.