quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

A Nuvem Sem Calças

tinhas maiakovski sobre a mesa. nos teus lábios formavam-se
gotas de orvalho. disseste "se ao menos a carne" e estremeceste.
a minha língua desenhou-te o peito e tu achaste que
"a carne devia ser nuvem" e sim, digo-te que sim. maiakovski
tenta dizer-me algo, encolhido sobre a mesa.
o que era? o que seria? a memória atrapalha-me: ainda tenho
uma língua desenhando o teu orvalho e o poeta gemendo
"Melhor que orações..." e o resto [que não me recordo, se dilui orvalho
ou nevoeiro] e insistes "se a carne fosse menos carne, então talvez o amor."
penso em maiakovski e pergunto-me se sobre a mesa estaria
um poema ou o poeta [nunca o homem: o homem apagou-se
quando se escreveu]. "Melhor que orações..." "Melhor que orações são..."
e não sei o que é que me dizia. a minha língua chora agora
o orvalho da tua boca de então. "a carne sendo nuvem então a língua
no meu peito seria amor" e não te entendo. só te pedi que deixasses
desenhar o orvalho nos teus lábios [e dos lábios para o peito e
do peito para as coxas e das coxas...] ah sim, já me recordo!
tinhas maiakovski sobre a mesa: "Melhor que orações são artérias e tendões."



Igor Lebreaud

2 comentários:

Anónimo disse...

neste momento sinto-me extremamente aborrecida com a minha memória, pois como sempre falha-me nos momentos mais impróprios. no entanto, mesmo falhando, queria dizer-te que Pessoa tem um poema divino, onde decorre sobre a matéria da carne e a matéria da espiritualidade e que este teu poema igor, me fez fazer exatamente a mesma viagem: entre a matéria da carne e a matéria da espiritualidade. muito lindo.
cassamia

Igor disse...

bem, obrigado... isso foi um elogio e tanto!
o poema gira também em volta de um poema do poeta futurista russo Maiakovski, "A Nuvem de Calças" e, sem querer estar a analisar os meus próprios textos, tentei demonstrar duas interpretações opostas do mesmo poema.